terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Estudo pioneiro testa a eficácia de células-tronco no combate ao enfisema

Embora ainda em fase inicial, técnica se mostra promissora no enfrentamento da doença, até hoje incurável e degenerativa.

O Brasil é o pioneiro na pesquisa com células-tronco para o tratamento de enfisema pulmonar, doença crônica e até agora incurável, que afeta 210 milhões de pessoas em todo o planeta. Divulgada na revista especializada International Journal of COPD, a pesquisa foi conduzida por um geneticista da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e é a primeira no mundo a utilizar a técnica. Segundo os editores da publicação, o artigo foi o mais acessado da edição do mês.

Apesar de descrever apenas a primeira fase do estudo, o artigo apresentou resultados promissores. O experimento começou a ser idealizado há cinco anos, a partir da constatação de que as células-tronco têm potencial de regenerar tecidos, inclusive o pulmonar. O enfisema destrói o órgão (veja infografia), condição que se agrava com o tempo. A ideia, portanto, foi desenvolver uma terapia que pudesse restaurar as estruturas pulmonares.

Os primeiros testes foram realizados com ratos. “Fizemos o tratamento com as células-tronco do próprio animal e verificamos uma melhora do quadro morfológico”, relata o geneticista João Tadeu Ribeiro Paes. Diante dos resultados positivos, em abril de 2008, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa autorizou a realização de experimentos com humanos. De uma lista de 10 pacientes apresentados, a Conep aprovou a participação de quatro voluntários. Todos tinham, à época, entre 59 e 76 anos e estavam com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) em estágio avançado.

“Essa fase inicial do estudo clínico checa a segurança do procedimento. Naturalmente, também ficamos preocupados com a eficácia, mas esse não era nosso foco”, diz o médico. “Conseguimos provar que o procedimento é completamente seguro. Não houve qualquer reação adversa nos pacientes”, conta Paes, adiantando que, na próxima etapa, 40 pessoas participarão do estudo. “Nessa segunda fase, não vamos analisar apenas a segurança, mas também a eficácia. Se tudo der certo, abre perspectiva para passarmos à terceira fase, quando o estudo é feito em grande escala”, diz.

O procedimento consiste na injeção de células-tronco do próprio paciente, retiradas do ilíaco (bacia), que são misturadas a uma infusão, processadas e, então, reinseridas no organismo através de uma veia do braço. Os pacientes passaram pela técnica apenas uma vez e depois foram acompanhados pela equipe de Paes ao longo de 12 meses. Apesar de o objetivo da primeira fase ter sido testar a segurança, os participantes do estudo também relataram uma melhoria na qualidade de vida.

 “Um deles só podia dirigir com o oxigênio e, agora, já não precisa mais. Há pouco tempo, falei com ele e ele contou que tinha até tomado um banho de mar. Outro conseguiu voltar a caminhar com o cachorro”, relata o geneticista. Pode parecer pouco, mas, diante da gravidade do estágio da doença, cada avanço como os descritos são uma vitória para o paciente. “Nessa fase, a pessoa tem dificuldade até para vestir uma camisa, fica ofegante”, destaca.

Sem progressão
Um dado bastante animador é que a doença se estabilizou em três pacientes — o primeiro foi excluído do estudo por ter contraído uma infecção não relacionada à pesquisa. “Essa informação é fundamental. O enfisema é uma doença crônica e progressiva, e o fato de ter se estabilizado já é uma grande vitória”, comemora Paes. De acordo com ele, o tratamento poderá, eventualmente, ser crônico, com aplicações periódicas de células-tronco. “Quando fizeram a infusão, os pacientes tiveram uma grande melhora e, depois, um decréscimo. Isso nos remete à ideia de que o tratamento poderia ser feito com reinfusões sucessivas”, diz. O geneticista lembra que, até ser possível transformar a pesquisa em uma terapia, será preciso um longo caminho. “Por enquanto, temos mais dúvidas do que certezas”, afirma.

Com apenas 29 anos, Reginaldo (nome fictício a pedido do entrevistado) descobriu que tem enfisema pulmonar. A família não sabe ainda e, desesperado, ele tem procurado ajuda em fóruns na internet. “É muito assustador, as pessoas trocam os depoimentos e você vê que daqui a pouco é com você que aquilo tudo está acontecendo. Espero que essa pesquisa dê certo mesmo e ajude os pacientes”, diz.

O comerciário de Governador Valadares (MG) desconfiou que havia algo de errado porque começou a ter falta de ar com frequência, além de tossir muito. “A tosse era normal, porque sempre tive mesmo, por causa do cigarro. Mas achei estranho ficar sem ar. Procurei um médico e ele me mandou fazer um checape. Na tomografia, acharam o enfisema. Vi que não é preciso envelhecer para se ganhar uma doença por causa de cigarro”, lamenta.

Fumante desde os 12, Reginaldo largou o vício depois do diagnóstico. “Mas, mesmo abstinente e tomando os remédios que me passaram, continuo com falta de ar. É horrível, essa doença rouba o ar de você, não dá nem para explicar”, diz. O diagnóstico deixou o jovem deprimido. “Não estou muito grave por enquanto, mas a doença é progressiva, ou seja, as coisas vão piorar. Nessa hora, você se pergunta: para que continuar a estudar ou trabalhar? É muito difícil pensar em futuro”, diz. Nos momentos em que se cansa muito, Reginaldo conta que tem de se esforçar até para falar. A entrevista teve de ser feita por e-mail. “Estou em um momento ruim, de umas três semanas para cá acho que piorei. Ainda bem que minha família não mora na mesma cidade que eu. Não quero que meus pais me vejam nessas crises.”

Diferentemente do comediante Chico Anysio, que tem enfisema e, em 2007, declarou que gostaria de participar de um estudo com células-tronco, Reginaldo torce para que a pesquisa da Unesp dê certo, mas não se animaria a se oferecer como voluntário. “Eu vou ser muito sincero: não tenho esperança de que eu vá melhorar, mas, com certeza, muitas pessoas vão se beneficiar e acho importante que esse estudo tenha sido feito no Brasil.”

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Paloma Oliveto
Publicação: 20/02/2011 08:00 Atualização:

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